sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

é proibido fumar - anna muylaert (2009)

Toda vez que começo um novo amor eu me pergunto até onde ele pode ir. Quanto tempo vai durar, quais lugares vão se tornar nossos e qual vai ser o lugar dela na minha vida. Mas ao assistir ao novo filme da Anna Muylaert, o É Proibido Fumar, a pergunta que ficou é: até onde posso ir nesse relacionamento? Um relacionamento a dois é uma ótima hora, senão a melhor, de entender a si próprio um pouco melhor, rever alguns valores que, antes da outra pessoa surgir na sua vida, eram inquestionáveis, absolutos. No meu caso, e na da protagonista do filme interpretada por Glória Pires (muito bem, por sinal), esse valor tornava em um primeiro momento difícil, e em um segundo impossível, a consolidação do compromisso. Pois, quando estamos sozinhos e todos os atos só atingem profundamente quem os pratica, nos entregamos a vícios, muitos deles propositalmente. Assumimos esses vícios de tal forma que eles passam de mera distração pra nós mesmos pra se tornarem dogmas. No meu caso, esse vício era o 'estar solteiro'.
Depois de algum tempo sozinho, e equilibrado, conclui que minha posição na sociedade era o homem solteiro, e que assim, e só assim, eu seria feliz. E, óbvio, os relacionamentos que eu tive durante essa época não se tornaram compromissos pela minha indisposição, mas que, pra mim, essas frustrações amorosas só serviam pra reafirmar que essa tal posição adotada era a mais acertada mesmo. No caso da Beibe, personagem de Glória Pires, o cigarro faz a alegoria desse dogma e reforça que sim, é difícil abandonar esse vício formado no decorrer do tempo e, portanto, tão sólido. Mas que devemos abandoná-los, pois nunca sabemos o quão bem a outra pessoa pode nos fazer. Quatro estrelas.

domingo, 9 de agosto de 2009

almoço em agosto - gianni di gregorio (2008)

Ciao. O que nos completa sempre foi uma dúvida recorrente pra mim. Do que sentimos falta, do que precisamos pra entrar em equilíbrio ou como descobrir o que já encontramos. E pode ser qualquer coisa, um emprego, uma namorada, um tênis, uma linha de ônibus. O que sempre mais me angustiou não foi o fato de não saber o que procurar, mas sim de conseguir reconhecer quando, e se, eu havia encontrado uma das minhas partes ausentes. O filme de hoje é sobre isso, Almoço em Agosto, visto às 21:30 na sala 4 do Belas Artes. Uma dessas partes e que quase todos nós sabemos reconhecer é a primeira pessoa que conhecemos depois do obstetra, a nossa mãe. Receber cuidados dela nos completa e cuidar dela também. Esses dias eu abracei a minha num momento de grande desilusão pra ela e senti que isso a fez muito bem. Não só por ter vindo de mim, seu filho, mas por ter vindo de alguém, por alguém ter se proposto a fazê-lo. E isso me completou naquele instante. O protagonista do filme não percebe isso em momento semelhante, e talvez ele nunca perceba isso, mas ele entende que essa é uma grande qualidade dele, cuidar de que precisa de cuidados. Ah, o dinheiro também nos completa, nos dá liberdade pra realizarmos o que desejamos, mas não aquele dinheiro proveniente do vazio de 8 horas de estresse diário, e sim este, que rende a partir de sorrisos investidos e chás-de-camomila. Quatro estrelas. Ciao.

domingo, 24 de maio de 2009

parque buenos aires - higienópolis

Uma placa: proibida a entrada de animais. Mas existem cachorros por toda parte, na verdade eles são os que mais parecem aproveitar o lugar. Outra placa: proibido pisar na grama, porém a criança cercada de verde daria uma belíssima foto. Por que tantas placas, tanta proibição? Esse texto é sobre a praça que virou parque. A legislação da cidade de São Paulo diz que se o espaço livre receber o nome de praça ele não pode ser cercado de grades, e portanto, fechado. Praça é um lugar não só de permanência, mas também de passagem, de encontro e desencontro, enfim, de vida. Faz parte da malha urbana, de percursos de casa ao trabalho, da escola ao cinema. Mas isso acarreta certo problemas, pelo fato de nunca fechar se torna mais convidativo à vândalos e maloqueiros em geral, o que é um problema. A solução de uma comunidade altamente endinheirada foi transformar o espaço antes de todos em um parque. Esse diferenciação, que pode parecer apenas de nome traz disfarçada uma permissão fundamental: o parque pode sim ser cercado por grades e ter horário de funcionamento. Pode haver uma legislação própria, proibições arbitrárias e tudo mais. O problema dos maloqueiros foi resolvido, mas a um preço ridiculamente alto. O que é curioso é que o agora parque possui seguranças que lá ficam 24 horas a fim de impedir que um morador de rua possa pular a grade para dormir em algo mais confortável que a sarjeta, mas porque não colocar esses oficiais antes da praça deixar de ser plenamente pública? Isso com certeza evitaria as grades, mas não é essa a proposta, a sociedade tem a tendência a se preocupar só com o que pode ser chamado de meu, ou nosso, mas nunca de todos. O que é de todos torna-se de ninguém. Um girassol plantado em praça pública torna-se passível de ir pr'um vaso na sacada do neo-clássico só pelo fato de ser público. É a mutilação do espaço coletivo. Tirar um girassol de uma praça é tirar uma praça da cidade, é privar a cidade como organismo de uma área de respiro, de qualidade, e o mesmo morador que votou sim pra cerca vai ter que dar a volta numa quadra que não tem olhos pra rua. Hoje vi uma madame vir com seu cachorrinho no colo até chegar ao parque, pois ali sim é lugar seguro. Mas quem garante que a praça está segura da madame?

quarta-feira, 22 de abril de 2009

sinédoque, nova iorque - charlie kaufman (2008)

O tempo é como uma rua, você pode andar pra frente e pra trás nela, mas você nunca poderá mudá-la. Porém, se você criar outra rua, exatamente igual a essa, as coisas podem ser um pouco diferentes. Esse texto é sobre o filme Sinédoque Nova Iorque assistido na sala 1 do Cine Belas Artes, sessão das 21:30. Existem muitas coisas na minha história, e acho que na de todos, que poderiam ser mudadas. Mais do que só mudadas, mas momentos que gostaríamos de reviver, de relembrar, de ver com outro ponto de vista. Momentos que por vezes parecem ser menores tomam outra forma, outro valor. Sinédoque significa trocar a parte pelo todo, uma espécie de metáfora, figura de linguagem que você substitui uma palavra pela outra para tornar o texto mais expressivo, como em cabeça de gado, a estação das rosas chegou, e outros exemplos, e é disso que o filme trata. Da simulação de uma coisa pela outra, e em momentos que a simulação torna-se mais real do que a própria verdade. Pois a simulação pode nos trazer algo mais real do que o simples viver a vida. Exagerar, diminuir, trocar de papel a favor de algo que não sabemos exatamente o que é mas sabemos onde vamos chegar. Sem nota, pois esse filme está absolutamente acima de qualquer julgamento pessoal, não por ser melhor ou pior que outros, mas não me sinto qualificado a concluir sobre ele e acredito que ninguém seja. O link no pôster é pro site do filme, obrigatório de você já leu tudo isso. Site lindo, maravilhoso, dá pra ouvir todas as músicas do filme, pra ser visto e revisto, como o filme. Sentado na espuma, retinas enxergaram luz colorida projetada no sintético branco. Retinas que , ao focalizar, refletiram muitas coisas, inclusive o fim. Sinédoque.

terça-feira, 14 de abril de 2009

estudo

Até em que ponto arquitetura produzida por alunos inexperientes e intransigentes tem valor? Não conhecemos projetos, praças, cidades e, se conhecemos, não sabemos suas áreas, idéias, contexto ou a simples questão de como se acessa a unidade, por dentro ou por fora.
Sempre que reflito sobre isso, e não são poucas vezes, Gropius se revira na vala; fala do ímpeto inerente ao ser humano, quase uma habilidade natural de se solucionar. E eu o escuto até o final, que é quando realmente posso discordá-lo. Pois Walter fala que a solução acertada só é confirmada com a pesquisa que ratifica que a solução encontrada é na verdade uma releitura de soluções consagradas. E isso não ocorre. Não ocorre.
O aluno descobre que escada externa não é só pra tragédias, que hall aberto é varanda coletiva e que galeria subterrânea é interessante e pára por aí. Se orgulha do projeto, exibe o render pro colega, a maquete pra família, mas não mostra o saber a si mesmo. No máximo lembra do mestre mostrando algo relacionado no slide que ele não foi atrás, do orientador que falou de brasília, mas o (pseudo)estudante não se interessou, contenta-se com o raso que funciona apenas na tela preta. Tão raso que na primeira maquete física erra, que na maquete eletrônica rasura, desmancha, retrocede.
No entanto sua glória permanece, pois ela é idealizada e está realmente apenas nos olhos do projetista, tal qual pai de criança feia. Os traços não se relacionam, os elogios vão sumindo, mas tudo menos a mudança. Tudo menos o fácil e talvez o mais adequado, que não se sabe que é mais adequado pois não se foi aprendido.
Mas respondendo à primeira pergunta: tem valor. O valor está no momento em que ele percebe que Cerdà faria melhor. O ganho surge quando, na discussão com o educador, sua posição de hoje entra confronta com a de ontem e quando a discussão rasa na lanchonete já não significa mais nada. O produto é conseqüência, a meta é o processo.
Aluno vem do latim, aquele que não possui luz, que vive no breu esperando pra ser iluminado por quem professa em escola. O valor real é revogar a condição de aluno e conquistar a posição de estudante.